Semana passada, li este texto que compartilho com vocês. Vale a pena refletir sobre nossos pensamentos e falas, muitas vezes ditas de forma automática sem levar em conta o interlocutor.
" Era o admirável mundo novo! Recém-chegada de Salvador, vinha a convite de uma emissora de TV, para a qual já trabalhava como repórter. Solícitos, os colegas da redação paulistana se empenhavam em promover e indicar os melhores programas de lazer e cultura, onde eu abastecia a alma de prazer e o intelecto de novos conhecimentos.
O Insustentável Preconceito do Ser
( Rosana Jatobá - advogada, jornalista)
Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto nível de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:
- Recomendo um passeio pelo nosso “Central Park”, disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!
-Então estarei em casa, repliquei ironicamente.
-Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.
-A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?
-Sim, quer dizer, não! Me refiro às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem “farofa” no parque.
-Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.
-Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar….
-Então estarei em casa, repliquei ironicamente.
-Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.
-A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?
-Sim, quer dizer, não! Me refiro às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem “farofa” no parque.
-Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.
-Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar….
De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São palavras ou expressões que , de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil combater um inimigo disfarçado.
Descobri que no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre os “Paraíba”, que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a “Cabeça chata”, outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.
Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo indicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujeito explicasse uma atitude censurável.
Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:
-O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, quero o teu amor”.
“É ofensivo”, diz Miriam. Como a cor de alguém poderia contaminar, como se fosse doença? E as pessoas nunca percebem.
A expressão “pé na cozinha”, para designar a ascendência africana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor constragimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.
O cronista Rubem Alves publicou esta semana na Folha de São Paulo um artigo no qual ressalta:
Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra “niger”para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho assim:
“Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe”…que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).
Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra , os negros cunharam o slogan “black is beautiful”. Daí surgiu a linguagem politicamente correta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém.
Será que na era Obama vão inventar “Pé na Presidência”, para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?
A origem social é outro fator que gera comentários tidos como “inofensivos”, mas cruéis. A Nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social, é a mesma que picha o próprio Presidente de torneiro mecânico, semi-analfabeto. Com relação aos empregados domésticos, já cheguei a ouvir:
- A minha “criadagem” não entra pelo elevador social !
E a complacência com relação aos chamamentos, insultos, por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais ? Os termos bicha, bichona, frutinha, biba, “viado”, maricona, boiola e uma infinidade de apelidos, despertam risadas. Quem se importa com o potencial ofensivo?
Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a encarar o trânsito, e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:
- Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!
Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:
-Só podia ser loira!
Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:
-Só podia ser loira!
Se a forma de administrar o próprio dinheiro é poupar muito e gastar pouco:
- Só podia ser judeu!
- Só podia ser judeu!
A mesma superficialidade em abordar as características de um povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acumula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, polpeta, almôndega, baleia …
Gosto muito do provérbio bíblico, legado do Cristianismo: “O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem”.
Invoco também a doutrina da Física Quântica, que confere às palavras o poder de ratificar ou transformar a realidade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.
A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o Princípio da Igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser Sustentável.
O preconceito nas entrelinhas é perigoso, porque , em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorância e alimenta o monstro da maldade.
Até que um dia um trabalhador perde o emprego, se torna um alcóolatra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado:
-Só podia ser mendigo!
No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade, mata 111 detentos, e nem a canção do Caetano Veloso é capaz de comover:
-Só podia ser bandido!
Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civilidade aqui em São Paulo, no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros."
E como, um dia, escreveu meu amigo Aldo Cordeiro:
" Orgulho de ser...qualquer coisa além de seres humanos, serve pra quê? Pra mim, basta isso, ser igual a todos na espécie e único na apreensão do mundo, na integração com a vida. Não entendo os orgulhos. Da mesma forma, não vejo orgulho em ser nordestino ou carioca. Apenas nascemos em lugares diferentes, cada um com suas belezas e seus problemas. Nos achamos seres bonitos porque nosso cérebro desenvolveu a capacidade de catalogar entre o feio e o bonito. Os gatos são bonitos porque achamos. Pra eles são simplesmente gatos, independente de gays ou hetero, nordestinos ou cariocas, muçulmanos ou judeus, pretos ou brancos".
Pois é...
Abraço fraterno,
Aline Caldas
E como, um dia, escreveu meu amigo Aldo Cordeiro:
" Orgulho de ser...qualquer coisa além de seres humanos, serve pra quê? Pra mim, basta isso, ser igual a todos na espécie e único na apreensão do mundo, na integração com a vida. Não entendo os orgulhos. Da mesma forma, não vejo orgulho em ser nordestino ou carioca. Apenas nascemos em lugares diferentes, cada um com suas belezas e seus problemas. Nos achamos seres bonitos porque nosso cérebro desenvolveu a capacidade de catalogar entre o feio e o bonito. Os gatos são bonitos porque achamos. Pra eles são simplesmente gatos, independente de gays ou hetero, nordestinos ou cariocas, muçulmanos ou judeus, pretos ou brancos".
Pois é...
Abraço fraterno,
Aline Caldas
Esse texto expõe a realidade.
ResponderExcluirE nós, muitas vezes agimos assim.
Julgamos, discriminamos muitas vezes de forma automática e muitas vezes de forma deliberada.
Falta respeito pelo outro, falta nos enxergarmos no outro.
Esse outro que é nosso irmão espiritual, que faz parte da única raça a que pertencemos: a humana.
O outro somos nós.
Recomendo que assistam ao documentário “Olhos Azuis”, da professora Jane Elliott: http://www.youtube.com/watch?v=jx95Hj7VYj8&feature=related
Transcrevo a frase que foi citada no documentário. Frase dita por um ministro luterano no final da segunda guerra mundial enquanto limpavam os campos de concentração:
“Quando se voltaram contra os judeus eu não era judeu e não fiz nada.
Quando se voltaram contra os homossexuais eu não era homossexual, não fiz nada
Voltaram-se contra os ciganos e não fiz nada
Quando se voltaram contra mim...
Não havia ninguém para me defender.”
Quando nos omitimos somos coniventes e de alguma forma acabaremos vítimas da nossa omissão.
Temos que aprender a caminhar juntos, como irmãos que somos.
Beijos
RECEBIDO POR E-MAIL
ResponderExcluirDe: Luiz Maia
Para: alinecalldas@yahoo.com.br
Enviadas: Quarta-feira, 23 de Novembro de 2011 15:02
Aline,
Você acertou ao compartilhar este texto com os amigos. Vale à pena refletir mesmo. Interessante frisar que em 1970, quando fui morar em São Paulo, lembro-me bem que erámos de fato classificados de "baianos", um sutil preconceito contra os nordestinos. No caso do mineiro era o "baiano que ficou pelo caminho". Morando no Rio de Janeiro escutei os cariocas nos taxando de "paraíbas"... Uma graça. Pelo menos os assuntos que se referem à Etnia, Religião, Futebol e Política serão sempre abordados por este viés - temas recorrentes do preconceito desde que o mundo é mundo. É preciso saber lidar com esses estereótipos.
Um beijo!
Luiz
Contra todo tipo de preconceito, belo compartilhamento amiga!
ResponderExcluir@ Alba: Concordo contigo, quando nos descobrirmos humanos, na essência, certamente seremos melhores e veremos o outro como um irmão (que é!).
ResponderExcluir@ Luiz: É, poeta, é preciso saber lidar sim...
@ Andie: Em nome do HUMANO em nós =)